Iniciamos o encontro com a leitura do “Diário de Bordo”. Em seguida fizemos a leitura da História: “Chico Bento: o orador da turma”. Trabalhamos também com a “Caixa de histórias”. Sistematizamos os contínuos propostos por Stella Maris Bortoni-Ricardo.
EDUCAÇÃO EM LINGUA MATERNA
A Sociolingüística na Sala de Aula
A Sociolingüística na Sala de Aula
Stella Maris Bortoni-Ricardo
stellamb@terra.com.br
Para entendermos a variação no português brasileiro, vamos propor a Você que imagine três linhas, a que vamos chamar de contínuos, e que são:
• contínuo de urbanização
• contínuo de oralidade-letramento
• contínuo de monitoração estilística
Contínuo de urbanização: Em uma das pontas dessa linha nós imaginamos que estão situados os falares rurais mais isolados; na outra ponta estão os falares urbanos que, ao longo do processo sócio-histórico, foram sofrendo a influência de codificação lingüística, tais como a definição do padrão correto de escrita, também chamado ortografia do padrão correto de pronúncia, também chamado ortoepia, da composição de dicionários e gramáticas. Enquanto os falares rurais ficavam muito isolados pela dificuldades geográficas de acesso, como rios e montanhas, as comunidades urbanas sofriam a influência de agências padronizadoras da língua, como a imprensa, as obras literárias e, principalmente, a escola.
O contínuo de urbanização pode ser representado assim: variedades rurais isoladas área rurbana variedades urbanas padronizadas
Usamos o contínuo de urbanização para situar os falantes de acordo com seus antecedentes e seus atributos.
EXEMPLO 1:
[O professor está conduzindo um exercício de interpretação de texto da segunda série]
• (P. vai ao quadro e começa a escrever o exercício. Os alunos copiam em silêncio; retoma a palavra quando conclui a escrita.)
• P. Quem sabe fazê aqui agora? Pest'enção aqui, ó. Depois cês copia aí, tá? Tá escrito aqui.(lendo do quadro) Responda. Com quem se parecia o ? (pára de ler) Como é o nome da leitura lá? Pega a leitura lá que cê sabe. Pega lá no livro, tá? É o quê? O palhacinho. Como é o nome da leitura lá? Diga aí.
• A. O palhacinho.
• P O palhacinho, né? Vamu trabalhá exatamente. O trabalho é a leitura lá. Nós vamu vê se nóis entendemos o não o que tá escrito lá. Então vamu, tá? Tá escrito aqui, ó. (Lendo) Com que se parecia o palhacinho? (Pára de ler.) Cê vai voltá lá naquela leitura lá. Vai olhá. O palhacinho se parecia com um negócio lá. Com quê? Com um boneco. Então cê vai dizê. Parecia com um boneco, né? (Lendo) Por que todos gostavam dele? (Pára de ler) tá? Por que todos gostavam dele? Depois (lendo) Qual era a maior felicidade do palhacinho? Como costumavam chamá-lo ? (Pára de ler) Tá? As crianças chamavam ele é (...) de um nome, sei lá. Um apelido lá, né? Qual era esse apelido dele, tá? (Lendo) Um dia o palhacinho chorou. Por que ele chorou? (Pára de ler) Tá? Aí cê vai dizê qu'ele chorou por isso, por isso, isso, isso, isso, assim, assim, tá? Isto tá escrito lá no livro. (Lendo) Quantas crianças haviam mais o menos no palco? (Pára de ler). Ele entrô lá pra fazê a brincadeira com as crianças. Quantas crianças tinha mais o menos lá, tá bom? Então cê vai respondê lá, olhanu no livro e responde, tá?
(O P. volta-se para outros alunos e inicia outra atividade.)
A1 [lendo o que escrevera] e ele deixou nós irmos rap/ e ele deixou nós irmos. Rapidamente arrumamos nossas malas e saímos, e fomos.
A2ih :: aí cê tá (xxx) [ lendo ] e saímos e fomos. [falando] é claro que se nóis saiu nós fomos. NãO [lendo ] e fomos , e fomos , rap/ e e ele deixou nós irmos rapidamente arrumamos nossas malas e fomos. [falando] apaga esse ponto aí e põe 'e fomos'.
A3[falando] e falamos tchau e fomos
A2 não, e fomos, e a história tá grande demais
A2[lendo] e nós despedimos
A1[falando] nóis num vai terminá hoje não
A2[falando] tem que escrevê muito uai, pra gente ganhá nota.
(Ilse de Oliveira)
O terceiro contínuo que estamos propondo para facilitar nossa análise do português brasileiro é o de monitoração estilística. Nesse contínuo situamos desde as interações totalmente espontâneas até aquelas que são previamente planejadas e que exigem muita atenção do falante.
Vejam o exemplo:
EXEMPLO 1:
• Gerente: Gerência do Banco XXX . Em que eu posso ajudá-lo?
• Cliente: Estou interessado em financiamento para compra de veículo. Gostaria de saber quais as modalidades de crédito que o banco oferece.
• Gerente: Nós dispomos de várias modalidades. O Senhor é nosso cliente? Com quem eu estou falando, por favor.?
• Cliente: Eu sou o Júlio César Fontoura, também sou funcionário do banco.
• Gerente: Julinho, é você, cara? Aqui é Helena! Cê tá em Brasília.? Pensei que você ainda estivesse na agência de Uberlândia! Passa aqui pra gente conversá com calma. E vamu vê seu financiamento.
A escola é, por excelência, o locus - ou espaço – em que os educandos vão adquirir, de forma sistemática, recursos comunicativos que lhes permitam desempenhar-se competentemente em práticas sociais especializadas.
Quando falamos em recurso comunicativos, é bom recordarmos três parâmetros que estão associados à questão da ampliação desses recursos, que são:
• Grau de dependência contextual
• Grau de complexidade no tema abordado
• Familiaridade com a tarefa comunicativa
• Veja esse diálogo hipotético entre dois irmãos que estão brincando com o bloquinhos de encaixe tipo Lego, tentando formar peças como casinha, barquinho, castelo etc.
• Diálogo A:
• - Essa é minha! Você pegou a minha!
• - A sua é essa outra! Essa que tá aí.
• - Não é não! A minha é essa. Eu quero a minha!
• - Essa eu não te dou, só te dou essa.
• Diálogo B:
• - Esse triângulo azul é meu! Você o pegou do meu castelo.
• - A peça que estava em seu castelo não é o triângulo. É esse paralelogramo que está ao lado da sua mão direita.
• - Não é não! Eu quero o triângulo azul que você usou para fazer a proa de seu navio.
Vamos sintetizar:
1) Todo falante nativo de uma língua, por volta de sete, oito anos, já internalizou as regras do sistema da língua que lhe permitem produzir sentenças bem formadas naquela língua, o que não acontece com um falante estrangeiro que produz sentenças agramaticais, isto é, que não estão perfeitamente de acordo com o sistema da língua estrangeira.
2) Como a língua é um fenômeno social, cujo uso é regido por normas culturais, além de ter domínio das regras da língua, os falantes têm de usá-la de forma adequada à situação de fala.
3) No desempenho dos papéis sociais, os indivíduos transitam por espaços sociolingüísticos em que têm de dominar certos usos especializados da língua.
4) O falante tem de dispor em seu repertório de recursos comunicativos que lhe permitam desempenhar-se com adequação e segurança nas mais diversas situações.
5) Grande parte dos recursos comunicativos que compõem o seu repertório é adquirido espontaneamente no convívio social; mas para o desempenho de certas tarefas especializadas, especialmente as relacionadas às práticas sociais de letramento, o falante necessita desenvolver recursos comunicativos, de forma sistemática, por meio do aprendizagem escolar.
6) A tarefa educativa da escola, em relação à língua materna, é justamente a de criar condições para que o educando desenvolva sua competência comunicativa e possa usar, com segurança, os recursos comunicativos que forem necessários para desempenhar-se bem nos contextos sociais em que interage.
7) Em pesquisas de sala de aula que conduzimos ou orientamos, identificamos alguns padrões principais na conduta do professor perante a realização de uma regra lingüística não-padrão pelos alunos:
8) o professor identifica "erros de leitura", isto é, erros na decodificação do material que está sendo lido, mas não faz distinção entre diferenças dialetais e erros de decodificação na leitura, tratando-os todos da mesma forma;
9) o professor não percebe uso de regras não-padrão. Isto se dá por duas razões: ou o professor não está atento ou o professor não identifica naquela regra uma transgressão porque ele próprio a tem em seu repertório. A regra é, pois, "invisível" para ele;
10) a professora percebe o uso de regras não-padrão e prefere não intervir para não constranger o aluno;
11) o professor percebe o uso de regras não-padrão, não intervém, e apresenta, logo em seguida, o modelo da variante padrão.
RFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, S. M. EDUCAÇÃO EM LINGUA MATERNA - Sociolingüística na Sala de Aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004
E por fim trabalhamos com a música "Assum Preto" de Luís Gonzaga.
Tudo em vorta é só beleza
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor (bis)
Sol de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor (bis)
Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá de mió (bis)
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá de mió (bis)
Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)
Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.
Analisando as Variáveis do Português Brasileiro...
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.
Analisando as Variáveis do Português Brasileiro...
Frô - (FLOR)
Rotacismo ou neutralização - /l/ > /r/ - planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
vorta – (VOLTAR)
Frô - (FLOR)
Rotacismo ou neutralização - /l/ > /r/ - planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
vorta – (VOLTAR)
Rotacismo ou neutralização -
/l/ > /r/ - planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
dos óio – (DOS OLHOS)
Vocalização da consoante lateral palatal /lh/ ou despalatalização -
mulher > muié; velho > véio; galho > gaio
Concordância não-redundante, tanto nominal quanto verbal
nós estávamos > nóis tava; nas bicicletas > nas bicicleta
Num vendo – (NÃO VENDO)
Monotongação do ditongo nasal "ão" na palavra ‘não’, que aparece em posição átona no grupo de força
não é > num é; não tem > num tem
tarvez – (TALVEZ)
Rotacismo ou neutralização -
/l/ > /r/ planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
ignorança – (IGNORÂNCIA)
Supressão do ditongo crescente oral na sílaba final
meio > mei; veio > vei;
mardade – (MALDADE)
Rotacismo ou neutralização -
/l/ > /r/ planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
furaro – (FURARAM)
Desnasalização de sílabas finais
homem > homi; fizeram > fizeru
das pió – (DAS PIORES)
Concordância não-redundante, tanto nominal quanto verbal
nós estávamos > nóis tava; nas bicicletas > nas bicicleta
os óio – (OS OLHOS)
Vocalização da consoante lateral palatal /lh/ ou despalatalização
mulher > muié; velho > véio; galho > gaio
Concordância não-redundante, tanto nominal quanto verbal
nós estávamos > nóis tava; nas bicicletas > nas bicicleta
cantá - (CANTAR)
Apócope ou supressão de um fonema final, como o /r/
correr > corrê; almoçar>almoçá; senhor > senhô
mió - (MELHOR)
Vocalização da consoante lateral palatal /lh/ ou despalatalização
mulher > muié; velho > véio; galho > gaio
veve – (VIVE) – ELEVAÇÃO DO /I/ PARA /E/
sorto ( SOLTO)
Rotacismo ou neutralização -
/l/ > /r/ planta > pranta; bloco > broco; alto > arto
avuá – (VOAR)
Prótese ou adição de um fonema no início da palavra
levantar > alevantar
mil vez – (MIL VEZES)
Concordância não-redundante, tanto nominal quanto verbal
nós estávamos > nóis tava; nas bicicletas nas bicicleta
oiá - (OLHAR)
Vocalização da consoante lateral palatal /lh/ ou despalatalização
mulher > muié; velho > véio; galho > gaio
roubaro (ROUBARAM)
Desnasalização de sílabas finais
homem > homi; fizeram > fizeru
óios – (OLHOS)
Vocalização da consoante lateral palatal /lh/ ou despalatalização
mulher > muié; velho > véio; galho > gaio .
De acordo com Bortoni-Ricardo (1998), ao propor os contínuos para análise do português brasileiro, os traços graduais da linguagem estão presentes na fala de todos os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo de todo o contínuo de urbanização. Enquanto os traços descontínuos são próprios dos falares situados no pólo rural e vão desaparecendo à medida que se aproximam do pólo urbano.
Ou seja, seu uso é descontinuado nas áreas urbanas, recebendo, dessa forma, maior carga de avaliação negativa das comunidades urbanas. É preciso levar em consideração que, no contínuo de urbanização, não existem fronteiras rígidas que separem falares rurais, rurbanos ou urbanos. Para aprofundamento dessa questão, sugerimos a leitura do livro Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula de Stella Maris Bortoni-Ricardo, publicado pela Editora Parábola em 2004.
Olá professora, sempre que posso venho aqui nesse cantinho que criou e cuida com muito carinho. Quero convidá-la a ir me visitar em meu cantinho também : felcriando.blogspot.com, lá tem uma postagem (Junho: uma tarde maravilhosa) em que coloquei aquela tarde que as Bruxas visitaram nosso curso. Adoraria recebê-la por lá!
ResponderExcluirBeijinhos.