No dia 25/08/2011 estive em Planaltina para uma Assessoria Pedagógica. Sem ter a intenção de transformar em palestra tivemos uma prosa (bem humorada e feliz) sobre Consciência Fonológica ressaltando os aspectos descritos abaixo:
Eu queria uma escola que lhes ensinasse
a usarem bem a nossa língua, a pensarem
e a se expressarem com clareza.
Carlos Drummond de Andrade
Ø Consciência fonológica significa: “a capacidade de distinguir e manipular os sons constitutivos da língua”. Rivière (apud CARVALHO, 2005, p. 28),
Ø A consciência fonológica tem uma relação com métodos fônicos, pois estes enfatizam letras e sons, mas não se confunde com eles.
Ø A consciência fonológica consiste na capacidade para focalizar os sons da fala, independente do sentido.
A consciência fonológica (...) não é uma capacidade
plenamente desenvolvida em todas as crianças.
Sejam elas da pré-escola, ou mais velhas: em geral,
encaram as palavras como unidades e precisam de
significado, orientadas, ao longo do processo de
alfabetização, para perceber que as palavras têm
uma dimensão sonora, isto é, são formadas por
sílabas e fonemas.
(CARVALHO, 2005, p. 28).
Ø Crianças que têm consciência de fonemas avançam de forma mais produtiva e criativa para a escrita.
Ø Antes que possam ter qualquer compreensão do princípio alfabético, as crianças devem entender que aqueles sons associados às letras são precisamente os mesmos sons da fala.
Ø A noção de que a linguagem falada é composta de seqüências desses pequenos sons não surge de forma fácil nos seres humanos.
Ø As pequenas unidades da fala que correspondem às letras de um sistema de escrita alfabética são chamadas de fonemas.
Ø A consciência da composição de pequenos sons é denominada de “consciência fonêmica”.
Ø Uma criança se aproxima de mim e mostra a tarefa no caderno. Então começa a ler as palavras.
Ø A criança lê: “OVOS”, “LEITI” . Escreve leite, mas pronuncia o som /E/.
Ø P/P - “É LEITI”? Ou é “LEITE” no jeito de falar?
Ø C - Não. Não, é por causa de que na escola eu falo assim ó: “LEITE” e em casa eu falo “LEITI”.
Ø P/P - Por que aqui na escola você fala “LEITE” e em casa você fala: “LEITI”?
Ø C - Por causa de que a professora fala.
Ø Por causa que eu escrevo com “LEITE” com “E”.
Ø C - “LEITI” não é a mesma coisa de “LEITE”.
Ø P/P - Por quê?
Ø C - Porque troca “I” com “E”.
Ø P/P - Como assim?
Ø C - É diferente o jeito de falar e o jeito de escrever.
Ø O jeito de falar eu falo com “TI” e o jeito de escrever eu escrevo com “TE”.
(nota de observação 25/04/2006)
A professora questiona:
O que você escreveu? Lê pra mim!
A criança responde: “CACAU”
A professora interfere perguntando
P - “O que é “cacau”?
C - : “Um negocinho de passar na boca”.
P - “Você escreveu “cacau” com esta letra?”
(mostra o K). “Que letra é esta”?
C - “É o “K”.
P - “Você escreveu cacau com “K” , tem outra letra”?
C - “Tem, a letra de ‘CARRO’.”
A professora então interfere mais um pouco:
P - “Que letra é esta”?
C- “É a letra de CASA. E a letra de CORAÇÂO”.
(A criança vai até o alfabeto vivo da sala, procura a letra, volta e diz:
C- “AH! É a letra ‘C’.”
( Nota de observação: 24/03/2006)
Ø A consciência fonêmica é um aspecto particular de consciência fonológica, consistindo na habilidade de perceber a unidade mínima da fala (fonemas).
A consciência fonêmica (última que a criança tende a adquirir) é a capacidade de analisar os fonemas e de relacionar esses fonemas com as letras que os representam.
- A consciência fonológica representa a habilidade de perceber a estrutura sonora de palavras, ou de partes de palavras.
(Magalhães, 2005)
- A professora trabalhou o bingo de letras com as crianças. Explorou tipologia das letras, curvas abertas e fechadas, retas, orifícios. A cada letra tirada, ela incentivava as crianças a falarem o nome de um objeto começado com a letra sorteada. Ao término do bingo de letras, a professora distribuiu uma folha de papel para cada criança com as letras do alfabeto, já escritas em caixa alta. Uma letra para cada uma e pediu que cada criança desenhasse um objeto que representasse a letra. Uma criança que tinha a letra “D” desenhou uma menininha. A professora então perguntou:
P - “Que objeto é esse da letra “D”?”
A criança prontamente respondeu:
C - ”É minha amiguinha a “Dudu”.
Ø O trabalho com vogais precisa ser desenvolvido de forma lúdica para que as crianças possam perceber a sonoridade das letras dentro das palavras na formação das sílabas.
Ø Rimas, aliterações, trava-língua, consciência sintática, silábica e fonêmica são habilidades relacionadas à consciência fonológica.
Partindo de versos a professora trabalha a produção coletiva de texto:
Borboletinha
Tá na cozinha
Fazendo chocolate
Pra vovozinha
Peti, peti
Perna de pau,
Olho de vidro
Nariz de pica-pau-pau-pau.
(nota de observação, 17/08/2006)
Borboletinha
As crianças estavam sentadas no chão, na rodinha. A professora sugere que as crianças trabalhem com rimas.
P - Vamos tentar fazer rimas usando as palavras?
E escreve no quadro as palavras terminadas com “ão” citadas pelas crianças:
• CORAÇÃO
• MÃO
• CÃO
• SABÃO
• LIMÃO
• AVIÃO
C1 - “Tia, ele falou ‘MACARRÃO’ tira as calças e dá um Mijão”.
P - É que a rima é pra gente brincar com as palavras.
P - Os meninos fizeram uma rima. As pessoas usam a rima pra brincar. Geralmente pra ser engraçado.
C2 - Tia, outra rima: “Quando eu fico de “LADO” eu falo “RIMADO”.
C3 - Outra rima tia: quando eu fico do seu “LADO” eu fico “GRUDADO”.
C4 - Tia, quando eu fico no CELULAR eu fico BRAVO.
P - “CELULAR” e “BRAVO” tem rima?
C 1 - Não.
P - Por quê?
C1 - Porque não combina.
C5 - Quando eu fico do seu “LADO”,
Meu coração fica “APERTADO”
C6 - “ÁGUIA”
P - “ÁGUIA” rima com o quê?
C6 - Com “ÁGUA”.
P - Teve som igual ao som do final?
Cs – Não
P - Não é o som que começa. É o som que termina.
C7 - Também tem “AR” que rima com “MAR.”.
C8 - “Quando eu fico do seu “LADO”
meu coração fica “MAGOADO”.
P - Olha quanta rima!
C9 - Tia, tem “PELÉ” e “ZÈ”
P - Mas vamos fazer um versinho? Quem me ajuda?
C9 - O “PELÉ” vendo o “PÉ” de “CHULÉ”.
C2 - Já sei tia:
O PELÉ
O REI DO PÉ
ENSINOU PRO ZÉ
QUE TEM CHULÉ.
C3 - “ZÉ”, vai tomar “CAFÉ”
C10 - O “PELÉ” tem “CHULÉ”.
C6 - O “PELÉ” vai tomar “CHÁ”.
P - O PELÉ vai tomar “CHÁ” rimou?
Cs - Não!
C13 - O “PELÉ” vai tomar “CAFÉ”
(nota de observação, 30/08/2006)
Entrei na sala de aula, as crianças estavam sem a professora que estava doente. Conversei com elas sobre as músicas que conheciam:
C1 - Tia tem aquela da formiguinha.
P/P - Qual?
C1 - Que foi no mercado.
P/P - AH! Já sei!
De repente, Natan para, olha pra mim muito sério e diz:
C2 - Você está construindo rimas.
P/P - Como você sabe?
C2 - Eu sei. “Café” rima com “pé”.
“Repolho” rima com “olho”
“mamão” rima com “mão”.
Tem muita rima.
P/P - Vejam pessoal a descoberta que o Natan fez.
Uma criança se aproxima de mim e diz:
C - Sabia que “P” e “E” é “PÉ”?
P/P - Como você sabe?
C - Eu sei! “P” e “E” escreve “PÉ” e rima com “CHULÉ”.
(nota de observação, 15/10/2006)
Ø Grande parte das dificuldades de se desenvolver a consciência fonêmica deve-se à variação de um determinado fone. Adams et alii (2006)
Ø Em função de variações da língua, é difícil dizer quantos sons existem no português brasileiro.
Ø O número de alofones varia de região para região
Ø Para desenvolver a consciência fonológica das crianças torna-se necessário que os professores tenham conhecimento da estrutura da língua, em especial da fonologia, da fonética e da fônica.
Ø O trabalho com rimas:
“Ao direcionar a atenção das crianças para a estrutura sonora das palavras, o jogo da rima promove sua consciência de que a fala não tem apenas significado e mensagem, mas também uma forma.” (ADAMS, et alii, 2006, p. 35)
Ø Quando discutimos consciência fonológica, temos de atentar para alguns aspectos da descrição lingüística da língua oral. Na fala não há necessariamente pausa entre as palavras, já na escrita há um espaço em branco entre elas. Na fala ocorre um fenômeno rítmico denominado grupo de força. (Bortoni-Ricardo, 2005)
Ø O ponto mais forte de um grupo de força é a sílaba tônica de uma palavra em que outra palavra (principalmente as monossílabas) se junta a ela. Esses vocábulos pronunciados sem pausa constituem grupo de força.
(Bortoni-Ricardo, 2005)
Sugestões para o Trabalho Pedagógico
Ø Jogos de escuta: estimular a habilidade das crianças a prestarem atenção a sons de forma seletiva. (ouvir sons da rua, das casas, do corpo, seqüência de sons, ouvir determinado som e associá-lo a sua fonte)
Ø Jogos com rimas: Usar rimas para introduzir os sons das palavras. (poesias, canções, versos histórias rimadas, rima de palavras)
Ø Consciência das palavras e frases: desenvolver a consciência das crianças de que a fala é constituída por uma seqüência de palavras. (jogos orais com frases completas, perceber palavras dentro da frase, comparar palavras de objetos pelo tamanho)
Ø Consciência silábica: Desenvolver a capacidade de analisar as palavras em sílabas, separando-as e sintetizando-as. (batendo palmas para os nomes de acordo com as sílabas, falar sobre um objeto e dizer quantas vezes abriu a boca para falar)
Ø Introduzindo fonemas iniciais e finais: Mostrar as crianças que as palavras contêm fonemas e introduzir a elas a forma como os fones soam e como o percebemos quando os pronunciamos isoladamente. (descobrir o nome de um objeto a partir do som inicial de sua letra, procurar objetos que iniciem com o mesmo som, classificar objetos pelo som inicial, identificar objetos que tenham o mesmo som final)
Ø Consciência fonêmica: Desenvolver a capacidade de analisar as palavras em uma seqüência de fonemas isolados , separando-os e sintetizando-os. (Perceber o movimento da boca ao pronunciar uma palavra toda vez que muda de som, pronunciar uma palavra fone por fone, brincar com fichas de palavras introduzindo letras e a escrita)
Ø Introduzindo a relação das letras com os sons da fala: (dizer a inicial dos nomes dos colegas das classes, procurar objetos, falar nome de objetos que iniciam por determinada letra, procurar figuras começadas por determinada letra, pronunciar palavras de acordo com as figuras., falar o nome da letra inicial de cada objeto)
Peço licença para terminar
soletrando a canção de rebeldia
que existe nos fonemas da alegria:
canção de amor que vi crescer
nos olhos da criança que aprendeu a ler,
no processo de alfabetizar letrando...
(Adaptação do poema de Thiago de Mello)
REFERÊNCIAS
Ø ADAMS, Jager Marilyn; FOORMAN, Barbara, R.; BEELER, Terri. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Ø CARDOSO-Martins, Cláudia. Consciência Fonológica e alfabetização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
Ø BORTONI-RICARDO, Stella Maris; BORTONE, Márcia Elizabeth. Modos de Falar/Modos de Escrever. Brasília: MEC. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação a Distância. Universidade de Brasília. 2006. Coleção pró-letramento. Fascículo 06.
Ø CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar – um diálogo entre teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
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