Diferentes currículos produzem diferentes pessoas, e, naturalmente essas diferenças não são meras diferenças individuais , mas diferenças sociais , ligadas à classe , à raça, ao gênero. (Godson, 1995)
Nos últimos anos muitas concepções de currículo foram surgindo. Essas concepções estão associadas a determinado tempo histórico e a determinadas teorias. Assim, diferentes abordagens sobre currículo foram surgindo no contexto educacional, manifestando-se na diversidade das relações sociais.
O termo currículo é uma palavra de origem latina que significa: “pista de corrida”, onde se realizavam disputas eqüestres no universo de Roma. Seu radical tem sido interpretado como “curso” ou “caminho”. No contexto educacional encontramos a idéia de que currículo representa um percurso a ser seguido pelo aluno durante sua vida escolar. O sentido etimológico de “curriculum” é originado do verbo “currere” que significa “correr”. O conceito de currículo emerge do conceito de escolarização associado à palavra classe, estabelecendo relação entre conhecimento e controle. O senso de disciplina ou ordem estabelecida nas idéias de currículo originaram-se tanto de fontes clássicas como do movimento calvinista (Calvino , discípulo de Lutero)
O conceito de currículo expressa a visão de mundo e de homem trazido por variados autores no decorrer de nosso processo histórico. Segundo Wilse Costa (2000) a primeira educação estatal surge com o francês Carlos Magno (724-814). Carlos Magno ordenou a construção de escolas em cada convento e seu currículo básico era composto de gramática, cálculo e religião, tornando os conventos beneditinos o centro do saber. Eram então estimulados os trabalhos de copilação de obras clássicas. Tal atividade era denominada de “iluminuras”. Carlos Magno instituiu uma escola para a nobreza denominada de “Escola Palatina”, ele próprio e seus convidados assistiam às aulas ministradas por monges. Com a morte de Carlos Magno e a desintegração do Império de Franco, muitas guerras fragmentaram a Europa, levando a população a migrar para o campo. O conhecimento fica ainda mais restrito à clausura dos conventos e mosteiros. Com o Renascimento (século XIV/XVI) o fenômeno denominado “reaquecimento cultural” é retomado na Europa Ocidental. No século XVI, na Europa, o sistema feudalista não atende as necessidades sociais da época. Inicia-se uma época de expansão marítima, comercial e colonial. A mercantilização se expandiu pelo mundo marcando esse contexto por grande crescimento econômico. Nesse período desenvolveu-se a cultura antropocêntrica, caracterizada pela crítica ao teocentrismo. A busca do conhecimento passa a ser centrada a partir do indivíduo da natureza, da racionalidade matemática para a explicação das coisas. O pensamento escolástico, que serviu para o aprofundamento das idéias laicas, foi em decorrência da difusão do humanismo. O poder da igreja foi desestabilizado pela centralização política dos estados Nacionais. O pensamento religioso que até então estava na condição dominante, foi então abalado pelo pensamento científico em progressão.
A educação sistematizada retornou do campo para as cidades, acompanhando o processo de desenvolvimento dos grandes centros comerciais. As igrejas passam a fazer parte das paisagens urbanas e a educação migra dos mosteiros para as escolas das catedrais. Inicia-se aí o ensino como ofício controlado pelos clérigos. As aulas eram ministradas por leigos que tinham uma autorização da igreja para ensinar. Surge nesse período a “escolástica” que tinha o significado de “dar escola”, nome dado a essa corrente que buscou unir a fé com a razão. Com o declínio do poder da igreja e a ascensão da classe de comerciantes é fortalecida a idéia de uma escola laica, termo debatido nas universidades desde o século XI, pois as escolas eram financiadas por mercadores. Nessas universidades, denominadas como novos centros do saber se desenvolviam um currículo voltado para a cultura clássica greco-romana, em especial e do direito comercial romano.
Com os movimentos da Reforma protestante e da contra reforma (1510 -1563) a escola começa a adquirir uma expansão social ampliada. Algumas idéias de educação pública foram construídas desde a Idade Média. No século XVII, o movimento de intervenção das autoridades públicas na educação já havia alcançado parte da Alemanha. Foi, na França, principalmente após a Revolução Francesa (1789) e a revolução Industrial na Inglaterra, que esse movimento toma grandes proporções. Apesar de ainda não ser muito clara, a idéia de currículo já estava presente como elemento para a catequese jesuíta e para os reformadores protestantes.
As concepções de currículo transitaram e entre o que se pensa, o que se afirma e o que se acredita no decorrer de nossa história. Para Mota e Veloso (2003) O conhecimento precisa ser isto como em sua totalidade, em sua forma mais complexa na relação dialógica entre o todo e as partes. Perceber o homem como sujeito histórico “instituintes e instituídos na história”. Um currículo em construção.
A revolução Industrial provocou mudanças na organização social do mundo tendo no industrialismo uma marca determinante da forma como as sociedades contemporâneas organizam sua produção. A relação de poder dos que detém os meios de produção pode ser considerada hegemônica apesar das transformações nas ciências, na economia, na tecnologia, na cultura e na política.
O currículo é mais que uma seleção de conteúdos didáticos, mais que uma seleção fragmentada de disciplinas e conteúdos, estando muito além da grade curricular de um curso.
Para Tomaz Tadeu da Silva (1999) um currículo não pode ser analisado fora de sua constituição social e histórica. Assim, torna-se necessário estabelecer vínculos entre currículo e elementos presentes nas relações sociais: a ideologia, a cultura, o poder, as relações de etnia, gênero, e diversidade social. Ao pensar a questão ideológica do currículo é preciso pensar naquilo que se ensina e para quem se ensina, nas relações que organizam a sociedade e que nas relações de poder que estabelecem essas relações. A manutenção do currículo como reprodução da sociedade é fator fundamental para a inculcação de valores dominantes nessa sociedade. Segundo esses autores a linguagem vista como forma de expressão do pensamento ideológico, constitui e produz o mundo social. Na escola isso pode ser observado através da ideologia dos livros didáticos, nos rituais, práticas, arranjos espaciais, materialidade dos signos e principalmente na organização do trabalho pedagógico (MOTA E VELOSO, 2003).
A cultura no currículo escolar tende a priorizar alguns componentes em relação a outros, destacando padrões de comportamento, ocultando dos alunos certos aspectos da cultura familiar e do país. Em uma sociedade dividida, privilegiar certa cultura é forma de manutenção divisão das classes sociais.
Segundo Moreira e Silva (1994) o poder não se manifesta em si mesmo. Ele acontece onde ocorrem relações sociais. As relações de poder acontecem em certos grupos sociais que estão submetidos a vontade de outros. Tratar de relações curriculares é tratar de relações de poder. Na educação brasileira as relações ainda não encontram espaço democrático da diversidade e da pluralidade de seu povo. As relações de poder são hierarquizadas, autoritárias e arbitrárias marcadas na prescrição curricular. Ao analisar a diversidade e pluralidade de um povo é preciso analisar as relações entre currículo e etnia, pois muitos professores ainda não sabem como lidar com as diferenças étnicas, negando essas diferenças, silenciando-as. Para Tomaz Tadeu da Silva (1999) nas questões de currículo também estão ligadas às questões de gênero cultivando uma imagem de feminino e de masculino. E o currículo precisa estar desprovido de rotulações e estereótipos preconceituosos, abordando a real situação de homens, mulheres e transexuais. As relações de desigualdades sociais manifestam-se no ambiente escolar. É preciso garantir o acesso à cultura letrada a todas as pessoas, através da construção de um currículo para todas respeitando suas diversidades.
Tipos de currículo
Currículo silenciado:
Tudo aquilo que foi excluído que deveria fazer parte do currículo, mas que foi negado.
Currículo oculto: “Todos aqueles aspectos do ambiente escolar, que, sem fazer parte do currículo oficial explícito, contribuem de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes.” (SILVA, 1994). Segundo Henry Giroux as escolas como espaços sociais desenvolvem duplo espaço: um currículo oculto ou informal. Os aspectos políticos e culturais da escolarização que, por seu turno, acontecem no interior da escola, ocorrem o que ele denominou de duplo currículo ou currículo oculto. Crenças e valores transmitidos tacitamente, através das relações sociais e rotinas que caracterizam o dia-a-dia da experiência escolar.
Currículo prescrito: é a indicação, o direcionamento formal, previamente definido e encaminhado para professores executarem. Giroux denomina de currículo formal ou explícito. Segundo ele é aquele que é programado, planejado.
Currículo enquanto construto social: O processo de reconhecimento do currículo enquanto fenômeno sócio-político-cultural, determinado e determinante das relações sócias de seu tempo. Compreensão do currículo como elemento fundamental para a organização do trabalho pedagógico da escola. Denota o processo de reconhecimento da relação entre o desenvolvimento do trabalho pedagógico e a aprendizagem dos alunos. (MOTA E VELOSO, 2003).
Referências:
MOREIRA/SILVA. Currículo, cultura e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre, Artes Médicas, 2000
MOREIRA, Flávio B. Currículos e Programas no Brasil. São Paulo: Papirus, 2004
COSTA, Marisa Vorraber. (org.) Currículo, nos limiares do Contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro. DP&A, 2000.
MOREIRA/SILVA. Currículo, cultura e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
Muito rico o seu resumo, continue assim,produzindo conhecimento,parabéns pelo blog.Profª Naíola
ResponderExcluirObrigada pelo resumo, ele vai me ajudar bastante
ResponderExcluir