domingo, 21 de agosto de 2011

Um Repetente Fala Sobre o Currículo

 
Não, eu não vou na escola. Esta é a segunda vez que eu repito a 4ª série e sou muito maior que os outros alunos. Entretanto, os meus colegas gostam de mim. Não falo em aula, fora da sala sei ensinar um mundo de coisas. Eles estão sempre me rodeando e isto compensa tudo que acontece em sala de aula.
Não sei porque a professora não gosta de mim. Na verdade ela nunca me deu atenção, parece que nunca acredita que a gente sabe alguma coisa, a não ser que a gente possa dizer o nome do livro onde aprendeu.
Na escola  a gente tem que aprender tudo que está no livro e eu não consigo guardar. Ano passado fiquei na escola depois da aula durante duas semanas, tentando aprender o nome dos Estados Brasileiros.
Claro, eu não conhecia todos, conhecia alguns, como: Espírito Santo, São Paulo, Paraná, para onde meu tio foi com a família plantar café. Mas é preciso saber os vinte e seis, todos juntos e por regiões e isso eu nunca sei. Também não ligo muito, pois os meninos que aprendem o nome dos Estados têm que aprender as capitais depois.
Acho que nunca consegui decorar nomes de todos os ossos humanos. Esse ano comecei a aprender um pouco sobre tratores, porque meu tio tem três para aluguel e disse que vai me deixar dirigir quando eu fizer dezoito anos.
Já sei bastante sobre Cavalo-Vapor e marchas de marcas diferentes de trator a Diesel... É gozado como os tratores de motores a Diesel funcionam. Comecei a falar com a professora de Ciências na quarta-feira passada, quando a bomba que a gente estava usando para obter vácuo esquentou. Mas a professora disse que não via relação entre motor a Diesel e nossa experiência sobre pressão do ar. Fiquei inquieto, mas os colegas pareceram gostar. Levei quatro deles a garagem de meu tio e vimos o mecânico desmontar um motor Diesel. Rapaz, como ele entende disso.
Eu também não sou forte em Geografia. Durante toda esta semana estudamos o que o Brasil importa e exporta, mas não sei bulufas. Talvez porque faltei à aula, pois meu tio me levou em uma viagem de mais ou menos quatrocentos quilômetros de distância. Fomos de caminhão e trouxemos toneladas de adubo de São José dos Campos. Meu tio me dizia onde estávamos indo e eu tinha  de indicar  as estradas e a distância em quilômetros.
Ele só dirigia o caminhão e virava à direita ou à esquerda quando eu mandava. Como foi bom! Paramos sete vezes e dirigimos mais de oitocentos quilômetros, ida e volta. Estou tentando calcular o óleo que gastamos por quilômetro.
Eu costumo fazer as contas e escrever as cartas para todos os fazendeiros sobre porcos e bois abatidos. Houve apenas três erros em dezessete cartas e, diz minha tia, só problemas de vírgula. Se eu pudesse escrever as composições bem assim...Outro dia o assunto era: “O que uma rosa leva da primavera”, e não deu...
Também não dou para matemática. Parece que não consigo me encontrar nos problemas. Um deles era assim: Se um poste telefônico com 11.351 de comprimento cair  atravessando uma estrada de modo que 2.71 sobre de um lado e 3.18 sobre de outro, qual era a largura da estrada? Acho uma bobagem calcular largura de estrada. Nem tentei responder, pois o problema também não dizia se o poste tinha caído reto ou torto.
Também não sou bom de Educação Artística. Todos nós fizemos um marcador de livros e uma cruz todinha de palitos de fósforo. Os meus foram péssimos. Também não me interessei. Lá em casa não temos livros e me doeu muito usar os paus de fósforo novinhos, quando minha mãe diz sempre para economizar fósforo, pois custa dinheiro. Bem que eu queria fazer um barquinho de madeira com assento de tábua. Mas o professor não deixou porque os alunos tinham que fazer a cruz com pau de fósforo.
Moral e cívica é fogo. Andei ficando depois da aula, tentando aprender os direitos e deveres do cidadão. A professora disse que só poderíamos ser um cidadão sabendo disso. E eu quero ser bom cidadão, mas detestava ficar depois da aula, porque um bando de meninos estava limpando o terreno para fazer um campo de futebol para as crianças de nossa comunidade. Eu até fiz as traves do gol, usando canos velhos. Conseguimos dinheiro vendendo verdura de nossa horta para comprar a bola e um jogo de camisas.
O pai disse que eu posso sair da escola quando fizer quinze anos. Estou doido para fazer isso, porque há um mundo de coisas que eu quero aprender e já estou ficando velho.


Nenhum comentário:

Postar um comentário